terça-feira, 14 de julho de 2015



“O OLHO DO MUNDO – A Roda do Tempo” (The Eye of the World – Wheel of Time)


1. Introdução



Os fãs gringos da série “A Roda do Tempo” consideram esta como uma das maiores obras de fantasia “pós-Tolkien”. Escrita por Robert Jordan, já vendeu mais de 44 milhões de cópias por todo o mundo e continua a arrebatar leitores por todo o mundo e desembarcou – aparentemente de modo definitivo no Brasil – em 2013, com a Editora Intrínseca. A previsão inicial da Intrínseca era lançar um livro a cada seis meses, mas o quarto volume (prometido para agosto de 2015) teve um intervalo de quase um ano para o volume três. 


Houve uma primeira tentativa de trazer a série ao Brasil, pela editora Caladwin, lá no final de 2009. Mas, após lançar os dois primeiros volumes da série, ou seja, ainda no começo da série, a editora encerrou suas atividades.

A Roda do Tempo possui 15 volumes no total, sendo 14 a história principal, e 1 volume que constitui uma prequência (prequel) ao O Olho do Mundo. Além disso, com a conclusão da saga, foi publicado, em uma antologia de contos fantásticos chamada “Unfettered”, organizada por Shawn Speakman e sem tradução em português, um conto que constitui uma “cena excluída” do último livro da série, mas que, segundo seu autor, pertence ao cânone da obra. São os livros da série:



1. New Spring;

2. The Eye of the World / O Olho do Mundo;

3. The Great Hunt / A Grande Caçada;

4. The Dragon Reborn / O Dragão Renascido;

5. The Shadow Rising / A Ascenção da Sombra (ainda não publicado em pt-br, mas prometido para 25 de Agosto de 2015);

6. The Fires of Heaven;

7. Lord of Chaos;

8. A Crown of Swords;

9. The Path of Daggers;

10. Winter’s Heart;

11. Crossroads of Twilight;

12. Knife of Dreams;

13. The Gathering Storm;

14. Towers of Midnight; e

15. A Memory of Light.



Além disso, existe um livro chamado “The World of Robert Jordan’s Wheel of Time”, que é basicamente uma enciclopédia de nomes, lugares e eventos, escrita sob a ótica de um estudioso da época da narrativa, mas que, justamente por isso, não é cem por cento confiável (o livro foi escrito com a benção de Jordan). Nota-se que o nome deste livro nos remete ao “The World of Ice and Fire”, de George R.R. Martin: ocorre que Martin era amigo de Jordan, tanto que após falecimento do último, homenageou o amigo com a Casa Jordayne, de Tor (Tor é a editora da série nos EUA) e seu funtador Trebor (Robert). 



Ao final deste ano, ainda, será lançada a última obra que trata da série: o The Wheel of Time Companion, uma verdadeira enciclopédia, esta sim completamente canônica, pois escrita fora da obra, pela viúva do autor e a equipe de assessores que tanto auxiliaram para o desfecho da obra. 



No Brasil a série já tem um fandom bastante organizado: 

– Fan page do Facebook: http://www.facebook.com/ARodaDoTempo



– Escola de Cairhien, que pretende ser uma espécie de “wiki” da série: http://escoladecairhien.wordpress.com/ (ainda em construção!)


2. Uma breve biografia do autor



O autor faleceu antes de finalizar a obra. Ao ser diagnosticado com “amiloidose cardíaca”, transmitiu aos seus assistentes e viúva, Herriet McDougal, sua editora e principal revisora. Após minucioso processo de escolhe, coube a Brandon Sanderson (twitter: @BrandSanderson), escritor e fã confesso da série, autor de livros como Elantris e Mistborn, finalizar a série de Jordan.


Brandon dividiu o que seria o último livro da série (até então “A Memory of Light”) em três volumes: Gathering Storm, Towers of Midnight e o A Memory of Light propriamente dito, pois havia muito material para um único livro... como foi possível verificar . O primeiro livro escrito por Sanderson – lembrando que há capítulos inteiros já escritos pelo autor e que apenas foram adequados ao restante da obra – saiu em 2009; o segundo em 2010 e, o último livro, em janeiro de 2013.


James Oliver Rigney Jr., nome de batismo de Robert Jordan, nasceu em 17 de outubro de 1948, nos Estados Unidos da América; era engenheiro nuclear (o que explica a origem de uma série de conceitos da série). Serviu no Vietnam e conheceu os horrores da guerra. Era fã assumido da obra do professor J.R.R. Tolkien e sempre deixou claro que O Olho do Mundo era uma homenagem ao professor. Entre outros escritos, destacam-se novas aventuras de Conan (entre 1982 e 1984) e a série de ficção histórica Fallon.


Jordan começou a escrever sua série em 1989 e ajudou um famoso escritor a emplacar, anos depois, sua própria série fantástica: G.R.R. Martin – ele escreveu uma frase de divulgação do primeiro volume de A Song of Ice and Fire, o Game of Thrones, o que ajudou a divulgar bastante a obra do Martin. Por ironias da vida, hoje é o Martin que escreve frase de divulgação para vender livros de novos autores... 


Embora Jordan seja considerado como o herdeiro de “Tolkien” por muitos críticos, tal como a própria frase na capa do livro diz, a obra é inteiramente original e distinta. Dos 15 livros da série, 8 estiveram no topo dos mais vendidos da lista do The New York Times.


3. A resenha


Sempre digo que é difícil resenhar a obra sem soltar muitos spoilers. A presente resenha tomara por base apenas o gancho inicial da trama, para evitar comentar acontecimentos do meio do livro para frente.


A Roda nos seduz no prólogo: é sem dúvida o prólogo mais épico que já li. É uma das aberturas de livro mais intrigantes e envolventes de uma obra de fantasia. 


Na trama, descobre-se que em um passado lendário houve uma grande guerra entre a Luz e a Escuridão. Tão violento foi o conflito que o mundo foi partido, trazendo ruína a uma civilização extremamente avançada e desenvolvida. Tal guerra envolveu Aes Sedais (homens e mulheres capazes de manipular o Poder Uno – ao que parece, uma energia proveniente de tudo: do Cosmos, da Terra, dos seres vivos… Tal como o “chi” das culturas orientais – e que, apesar de Uno, tem uma parte masculina e outra feminina) e a Escuridão.


Neste prólogo, que será a linha condutora de toda a obra, descobre-se que o campeão da Luz, Lews Therin Telamon, conhecido como o Dragão, defendeu a Criação contra o Senhor da Escuridão, Shai’tan, o Destruidor. Normalmente, quando alguém analisa a obra, dificilmente mencionam este prólogo... 


Esta introdução suscita uma série de perguntas, que não serão respondidas de cara. Fica meu alerta: uma análise da obra tomando por base apenas este primeiro volume, desta forma, tenderá a de ser incompleta e poderá, efetivamente, desconsiderar, este maravilhoso prólogo.


A construção da obra é lenta e progressiva, mas sua originalidade e brilhantismo começam a ser evidenciados a partir do terço final deste primeiro volume. Muitos dizem que o O Olho do Mundo é frívolo e trivial, uma cópia descarada de a “Sociedade do Anel” e de as “Brumas de Avalon” (ou outros livros do Ciclo Arthuriano), mas por já ter concluído a série, posso dizer: cada novo volume dá um salto em profundidade e densidade. É impressionante.


Voltando: o prólogo retrata o fim de uma era, a Era das Lendas; Lewis Therin sucumbiu à loucura pela mácula inserida na porção masculina do Poder Uno por Shai’tan. Foi o Herói da Luz que trouxe a ruína ao mundo. Ao mesmo tempo que é o salvador da humanidade, é o homem mais temido e odiado da história.

Findo o prólogo, somos apresentados ao tempo presente da narrativa. 

Estamos às vésperas da realização do festival da última noite do inverno, Bel Tine. Mas o inverno se arrastou mais do que o esperado e não parece que vai acabar tão cedo.

A narrativa começa no Campo de Emond, uma vila esquecida e na qual seus habitantes sequer sabem que há um Rei – ou que se submetem ao seu jugo; a vida é tão frugal e campestre que aquele que vai além das fazendas das cercanias da região de Dois Rios já é vista como uma figura excêntrica. Por algum motivo me lembrei de um certo ser baixinho, de pés peludos, vindo de um tal do Condado... :)

Vale, desde logo, notar que os traços culturais deste povo, assim como de todos os demais que serão introduzidos ao longo da obra, são marcantes e importantes durante toda a série. Todas as personagens estão impregnadas com os traços culturais e forma de pensar de sua terra natal. 

Dito isto, está montado o cenário para a introdução das três personagens centrais da trama: Rand al’Thor, Perrin Aybara e Matrim Cauthon, três amigos de infância que, neste inverno, acabaram de ver um homem coberto por um manto negro que nem o vento frio era capaz de mover. Outros estranhos também chegam à vila: um trovador (Thom Merrilin), uma historiadora (Moiraine) e seu acompanhante (Lan) e um mascate (Padain Fain). Sofreremos e nos emocionaremos com todos estes nomes.


Na véspera de Bel Tine, temos uma primeira guinada na história: as verdade de e sobre Rand, Perrin e Mat começam a mudar, as personagens começarão a mudar e evoluir a partir daqui. Os detalhes podem ser lidos aqui, mas só nos daremos conta adiante. A saída para os três, antes acostumados com a vida bucólica, é o exílio forçado; Tradições e verdades tidas como imutáveis são descontruídas…

É assim que começa a séria “A Roda do Tempo”, que vai levar os personagens principais para além de sua esquecida vila, rumo a grandiosas cidades, reinos, rainhas, “bruxas” (sim, entre aspas de forma proposital) e guerreiros. O perigo cresce a cada capítulo e a guerra é apenas mais um detalhe desta trama recheada de intrigas políticas, verdades, mentiras, traições, amizades, descobertas, amores, paixões e reviravoltas.


Há muita filosofia embutida, bem como conhecimentos tradicionais orientais e ficção científica! 


Como sempre costumo dizer: esta obra, embora numa primeira análise possa assim parecer, é mais do que um simples combate entre o bem e o mal: embora os lados sejam bem definidos, constantemente vemos os personagens (e são centenas deles!) tomando decisões equivocadas, fazendo julgamentos precipitados e inconsequentes.


Importante notar: os personagens principais ainda são bastante superficiais, infantis e imaturos. Por vezes até dá vontade de descer a mão em alguns deles... Mas isso é intencional: os personagens evoluem, sua psique se aprofunda e começamos a ficar interessados e cativados cada vez mais pelos personagens. Alguns que odiávamos ficam interessantíssimos e outros passam a se tornar menos interessantes... O que quero dizer é que o autor quis, intencionalmente, que o leitor quisesse, efetivamente, dar uns tapas nos personagens principais, que vão, a cada volume, ficando mais interessantes em seus aspectos psicológicos e literários. 


4. Observações


É interessante notar como o autor se utilizou de elementos pré-existentes à série, dando-lhes uma roupagem nova e inteiramente criativa. Há diversos “easter eggs” durante a obra. 


Por exemplo: facilmente nos remetemos ao festival de “Beltane”, comum no mês de maio, característico dos povos celtas das ilhas britânicas , marco da transição entre o equinócio de inverno e solstício de verão. Será possível encontrar diversas referências às lendas do Rei Arthur, inclusive em nomes (Pendragon, Merlin, Arthur, Morgause, Morgana, etc), descrições (Moiraine seria uma versão de Morgana?) ou em objetos (o leitor será apresentado à figura dos “angreal” e dos “sa’angreal”, que não deixa de lembrar “Santo Graal”). 


Mais que isso: há referências de cultura pop, física, guerras nucleares, buracos de minhoca, engenhocas “steampunk”, etc, em uma obra que, em teoria, seria uma fantasia medieval. 

A estrutura de “magia” é totalmente original e descrevê-lo é um baita spoiler, mas deixamos aqui uma observação: prestem atenção no símbolo que Lewis Therrin usa em suas roupas e tente localizá-lo em outros momentos da série (ainda que parcialmente).

Outra observação digna de nota: cada capítulo começa com um símbolo. Atenção aos detalhes é fundamental. Nada é por acaso.

A tradução é um ponto a parte. A versão da Caladwin tinha uma tradução muito boa, feita por José Francisco Hillal Botelho, com apenas duas falhas, ao meu ver e na visão de outros fãs antigos: o nome da cidade Tear virou Lácrima (mas a Intrínseca manteve como Tear) e o sotaque de Bayle Domon não foi muito respeitado (embora na Intrínseca também não o esteja), já que no original as suas frases são cheias de inversões na ordem dos elementos da frase e verbos não conjugados. Na edição da Intrínseca, alguns nomes foram alterados com relação à edição da Caladwin, mas, no geral, a tradução não é ruim (embora eu prefira a da Intrínseca). 





Para concluir: nem tudo é o que parece, e a Roda tece conforme a Roda deseja…

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